Não respondo teus e-mails, e quando respondo sou ríspido, distante, mantenho-me alheio: FAZ DE CONTA QUE EU TE ODEIO
Te encho de palavras carinhosas, não economizo elogios, me surpreendo de
tanto afeto que consigo inventar, sou uma atriz, sou do ramo: FAZ DE
CONTA QUE EU TE AMO.
Estou sempre olhando pro relógio, sempre enaltecendo os planos que eu
tinha e que os outros boicotaram, sempre reclamando que os outros fazem
tudo errado: FAZ DE CONTA QUE EU DOU CONTA DO RECADO.
Debocho de festas e de roupas glamurosas, não entendo como é que alguém
consegue dormir tarde todas as noites, convidados permanentes para
baladas na área vip do inferno: FAZ DE CONTA QUE EU NÃO QUERO.
Choro ao assistir o telejornal, lamento a dor dos outros e passo noites
em claro tentando entender corrupções, descasos, tudo o que demonstra o
quanto foi desperdiçado meu voto:FAZ DE CONTA QUE EU ME IMPORTO.
Digo que perdôo, ofereço cafezinho, lembro dos bons momentos, digo que
os ruins ficaram no passado, que já não lembro de nada, pessoas maduras
sabem que toda mágoa é peso morto: FAZ DE CONTA QUE EU NÃO SOFRO.
Cito Aristóteles e Platão, aplaudo ferros retorcidos em galerias de
arte, leio poesia concreta, compro telas abstratas, fico fascinada com
um arranjo techno para uma música clássica e assisto sem legenda o mais
recente filme romeno: FAZ DE CONTA QUE EU ENTENDO.
Tenho todos os ingredientes para um sanduíche inesquecível, a porta da
geladeira está lotada de imãs de tele-entrega, mantenho um bar
razoavelmente abastecido, um pouco de sal e pimenta na despensa e o
fogão tem oito anos mas parece zerinho: FAZ DE CONTA QUE EU COZINHO.
Bem-vindo à Disney, o mundo da fantasia, qual é o seu papel? Você pode
ser um fantasma que atravessa paredes, ser anão ou ser gigante, um
menino prodígio que decorou bem o texto, a criança ingênua que confiou
na bruxa, uma sex symbol a espera do seu cowboy:FAZ DE CONTA QUE NÃO
DÓI.
Martha Medeiros
22 de novembro de 2012
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