20 de outubro de 2018

DESTINO


o erro dela começou antes ainda dela nascer

pai preto pobre e alcoólatra
mãe preta pobre e que não tomou a pílula
não dava pra nascer diferente disto

preta e pobre
um fardo pesado demais pra se carregar
pra alguém que ainda nem viu a luz

“é menina”
segundo erro
nasceu mulher

e mulher carrega essa sorte
que mais parece com morte
de ser tratada menor

assim que saiu da barriga
pisou no chão do sertão
o terceiro erro
nasceu nordestina

e nascer aqui determina
que tem uma guerra em cada esquina
pra ser enfrentada debaixo do sol

nos seus primeiros anos de vida
o seu progenitor foi embora
virou filha de mãe solteira
quarto erro
e ganhou bônus na fábrica de desajustados

o pão de cada dia
ficou mais escasso
e do pão que o diabo amassou
todo dia engolia um pedaço

estudou e foi contra a sorte
ignorou os sinais de morte
e passou no vestibular

no primeiro ano deixou
não era coisa pra ela
não podia se dar ao luxo
e voltou para trabalhar

trabalhou em casa de família
quatro, cinco, seis anos
quinto erro
até que foi pra capital
e foi promovida a babá

se apaixonou por uma menina
sexto erro
se deixou levar pela paixão
era audácia demais pra ela
além de tudo ser sapatão

seu sétimo e maior erro
foi sair com a companheira
logo em época de eleição

foi espancada em nome de um homem
que diz querer o bem da nação

preta
pobre
mulher
nordestina
desajustada
empregada
e ainda por cima sapatão

viver é um privilégio
de quem não carrega predestinação
pra sofrer
que nem ela


Aline Nobre

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