o erro dela começou antes ainda dela nascer
pai preto pobre e alcoólatra
mãe preta pobre e que não tomou a pílula
não dava pra nascer diferente disto
preta e pobre
um fardo pesado demais pra se carregar
pra alguém que ainda nem viu a luz
“é menina”
segundo erro
nasceu mulher
e mulher carrega essa sorte
que mais parece com morte
de ser tratada menor
assim que saiu da barriga
pisou no chão do sertão
o terceiro erro
nasceu nordestina
e nascer aqui determina
que tem uma guerra em cada esquina
pra ser enfrentada debaixo do sol
nos seus primeiros anos de vida
o seu progenitor foi embora
virou filha de mãe solteira
quarto erro
e ganhou bônus na fábrica de desajustados
o pão de cada dia
ficou mais escasso
e do pão que o diabo amassou
todo dia engolia um pedaço
estudou e foi contra a sorte
ignorou os sinais de morte
e passou no vestibular
no primeiro ano deixou
não era coisa pra ela
não podia se dar ao luxo
e voltou para trabalhar
trabalhou em casa de família
quatro, cinco, seis anos
quinto erro
até que foi pra capital
e foi promovida a babá
se apaixonou por uma menina
sexto erro
se deixou levar pela paixão
era audácia demais pra ela
além de tudo ser sapatão
seu sétimo e maior erro
foi sair com a companheira
logo em época de eleição
foi espancada em nome de um homem
que diz querer o bem da nação
preta
pobre
mulher
nordestina
desajustada
empregada
e ainda por cima sapatão
viver é um privilégio
de quem não carrega predestinação
pra sofrer
que nem ela
Aline Nobre
0 comentários:
Postar um comentário