eu nunca fui de seguir o papel que me foi imposto pela
sociedade
parece que veio de nascença o desejo de ser tudo aquilo que
disseram que eu nĂ£o podia
eu fui menina quieta, calminha
assim como manda o protocolo
mas eu também jogava futebol de travinha todo santo dia com
os meninos da minha rua
eu fui tĂmida e reprimida
do jeito que o sistema gosta
mas de mim saĂa faĂscas de que eu podia ir alĂ©m e nunca
subestimei minha capacidade intelectual frente aos meninos da escola
eu fui carinhosa e nunca fui agressiva
assim como me foi ensinado
mas eu sempre soube que sou forte (fisicamente mesmo) e eu
sempre ganhava dos meninos nas competições de queda de braço
eu usava vestido e fechava bem as pernas
assim como como a voz social gritava na minha cabeça todo
dia
mas eu tambĂ©m usava os uniformes de time e os tĂªnis do meu
irmĂ£o sempre que podia
eu segui todos os conselhos de nĂ£o sair de perto de casa pra
concluir o ensino superior perto da famĂlia
assim como me foi exigido quando cogitei sair do interior
mas eu escolhi uma faculdade de engenharia e hoje trabalho num
meio majoritariamente masculino
eu segui os papĂ©is de ser alguĂ©m agradĂ¡vel socialmente
mas sempre que eu abria a boca era chamada de “a do contra”
e ainda bem que eu abria
abri também os olhos
sou a mais nova da casa e primeira da famĂlia a conseguir
finalizar o ensino superior
nĂ£o porque as que vieram antes nĂ£o sĂ£o tĂ£o boas quanto eu
mas porque elas tiveram trabalho demais preparando o terreno
pra eu chegar onde estou
eu reconheço que sĂ³ posso ser tudo que sou
usar as roupas que uso
trabalhar onde trabalho
ter a formaĂ§Ă£o que tenho
sair pros lugares que saio
enlaçar as mĂ£os nas mĂ£os que enlaço
falar as coisas que falo
escrever as coisas que escrevo
porque muitas mulheres vieram antes de mim
e lutaram por mim
Ă© mais que minha obrigaĂ§Ă£o lutar pra que as meninas que
virĂ£o
possam fazer tudo que eu faço
sem precisarem se reafirmar a todo instante
como eu
eu sonho com o dia que este dia chegue
afinal, é pra isso que serve o oito de março
pra lembrarmos de tudo que conquistamos
agradecermos aquelas que vieram antes de nĂ³s
olhar pra tudo que ainda temos que conquistar
e deixar as forças de outras se juntarem as nossas pra
mirarmos um outro horizonte possĂvel
companheiras, avante!