8 de março de 2019

[sobre o oito de março]


eu nunca fui de seguir o papel que me foi imposto pela sociedade
parece que veio de nascença o desejo de ser tudo aquilo que disseram que eu não podia

eu fui menina quieta, calminha
assim como manda o protocolo
mas eu também jogava futebol de travinha todo santo dia com os meninos da minha rua

eu fui tímida e reprimida
do jeito que o sistema gosta
mas de mim saía faíscas de que eu podia ir além e nunca subestimei minha capacidade intelectual frente aos meninos da escola

eu fui carinhosa e nunca fui agressiva
assim como me foi ensinado
mas eu sempre soube que sou forte (fisicamente mesmo) e eu sempre ganhava dos meninos nas competições de queda de braço

eu usava vestido e fechava bem as pernas
assim como como a voz social gritava na minha cabeça todo dia
mas eu também usava os uniformes de time e os tênis do meu irmão sempre que podia

eu segui todos os conselhos de não sair de perto de casa pra concluir o ensino superior perto da família
assim como me foi exigido quando cogitei sair do interior
mas eu escolhi uma faculdade de engenharia e hoje trabalho num meio majoritariamente masculino

eu segui os papéis de ser alguém agradável socialmente
mas sempre que eu abria a boca era chamada de “a do contra”
e ainda bem que eu abria
abri também os olhos

sou a mais nova da casa e primeira da família a conseguir finalizar o ensino superior
não porque as que vieram antes não são tão boas quanto eu
mas porque elas tiveram trabalho demais preparando o terreno pra eu chegar onde estou

eu reconheço que só posso ser tudo que sou
usar as roupas que uso
trabalhar onde trabalho
ter a formação que tenho
sair pros lugares que saio
enlaçar as mãos nas mãos que enlaço
falar as coisas que falo
escrever as coisas que escrevo

porque muitas mulheres vieram antes de mim
e lutaram por mim
é mais que minha obrigação lutar pra que as meninas que virão
possam fazer tudo que eu faço
sem precisarem se reafirmar a todo instante
como eu

eu sonho com o dia que este dia chegue

afinal, é pra isso que serve o oito de março
pra lembrarmos de tudo que conquistamos
agradecermos aquelas que vieram antes de nós
olhar pra tudo que ainda temos que conquistar
e deixar as forças de outras se juntarem as nossas pra mirarmos um outro horizonte possível

companheiras, avante!

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