28 de fevereiro de 2019

Uma voz serena


Dona Francilene morava sozinha numa casa muito simpática na rua da Prefeitura, perto o Bar da Erivanda, mas eu não a conhecia e nem tampouco tinha ouvido falar nada sobre ela.
Aconteceu que eu fui tocar violão numa missa de domingo, como faço de costume, e ela estava lá. Ela era uma dessas senhoras que parece que já fazem parte da arquitetura da igreja, como a imagem de Jesus crucificado, como os bancos, como o altar, como os ventiladores de parede. Ela sempre estava lá, sentada nos bancos do meio, misturada com os demais fiéis.
Mas neste dito domingo no final de 2015 ela deixou de ser apenas mais um elemento do ambiente dominical. No final da missa, quando eu estava apressadamente guardando o violão na capa, ela resolveu que era o dia de entrar na minha vida. Se achegou perto de mim, como quem queria conversar, e eu deixei. Ela começou a falar timidamente sobre eu tocar violão, me elogiou, eu agradeci e então ela chegou onde queria chegar: “eu também tocava violão quando era jovem”. Fiquei surpreendida e me interessei mais ainda pela conversa. A conversa não se alongou muito, mas resultou num convite pra eu ir ver o seu violão em sua casa.
            Demorei umas semanas pra finalmente visita-la e então ela me ligou reforçando o convite. E eu fui. Ela comprou guaraná especialmente pra mim, assim como fez todas as outras vezes que eu a visitei. Descobri que ela ainda tocava violão muito bem, inclusive melhor que eu. Pegava músicas de ouvido, me ensinou notas que “combinam”, tocou músicas de cantoria acompanhada das histórias de juventude que marcaram tais músicas, me mostrou os tapetes que ela fazia com retalhos de tecidos, os guarda-chuvas que ela concertava, contou sobre os seus dedinhos pequenos que foi um “mal” de nascença, falou como aprendeu a tocar violão, falou dos seus sonhos de juventude, do remédio novo que o médico tinha passado, sobre sua vinda pra Banabuiú sozinha, sobre um sobrinho que morou com ela uns dias e de mais um punhado de histórias.
            Na páscoa eu fui na casa dela de surpresa entregar uma lembrancinha que tinha feito com uns sabonetes e ela ficou tão agradecida que ficou sem graça, procurando algo pela casa pra me retribuir até que eu finalmente convenci de que ela não precisava me dar nada. Neste dia tirei uma foto sem que ela percebesse dela tocando violão.
            Eu fiz uma anotação mental pra me lembrar de comprar um dominó pra presenteá-la, pra que a gente jogasse quando eu fosse lá, mas acabei esquecendo.
            Minhas visitas começaram a ser menos frequentes. A faculdade começou a apertar e então eu comecei a ficar mais em Quixadá do que em Banabuiú. Ela as vezes me ligava e eu a encontrava nas missas dominicais, até que ela parou de ir à missa. Soube que ela não estava bem da saúde. Fiz uma outra nota mental de ir visita-la. Demorei e não houve tempo. Recebi a notícia. Era 2017.
            Passei muitos dias me sentindo mal e me lamentando por não ter estado com ela em seus últimos momentos e ao mesmo tempo grata por tê-la conhecido e me deixado cativar por aquela senhora tão doce. Quis escrever um poema, mas não consegui.
            Hoje enquanto eu caminhava na pracinha da igreja, as lembranças dela me atingiram em cheio e ficaram ecoando no meu peito. Decidi que além de guardá-la no peito, preciso guardá-la nas palavras também.
            Esta é Dona Francilene. E sou muito feliz de ter sido sua amiga.

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