9 de julho de 2018

EU NUNCA FIZ DIETA


Quase todo mundo que conheço já fez dieta alguma vez na vida, seja por motivos de saúde, para perder uns quilos ou até mesmo para ganhar uns quilos, mas eu nunca fiz, e acho que isso diz muito sobre mim.
Eu sempre estive “acima” do peso segundo o que a sociedade diz ser o peso ideal, e seria mentira eu dizer que isso nunca me incomodou, porque incomodou, principalmente na adolescência que é quando as pressões para se enquadrar nos padrões sociais são mais intensas e cruéis, mas nem isso fez com que eu abrisse mão de ser quem eu sou para ser quem os outros esperam que eu seja.
Houve uma época em que eu não gostava nada do meu corpo, justamente por ele ser de diversas maneiras fora dos padrões; não tinha a forma ideal, o tamanho ideal, a cor ideal, a quantidade de pelos ideais, a textura ideal, nada era ideal segundo os padrões associados a uma pessoa do sexo feminino e adolescente, e foi dolorido aceitar que esse corpo era meu único lar possível.
Ser gorda, negra e peluda foi por muito tempo dolorido, mas hoje, uma pouco mais livre das influencias sociais e um pouco mais empoderada do meu eu, ser gorda, negra e peluda é orgulho e resistência. Tenho orgulho do meu lar.
Acredito que essa força para me manter resistente foi algo interior e íntimo, mas sei que só encontrei sentido nela quando conheci outras mulheres que também pensam assim, mulheres fortes, lindas e livres que em sua maioria foi o movimento feminista me apresentou.
Com essas mulheres eu aprendi que ser chamada de gorda não é xingamento e nem sempre é um comentário pejorativo, e eu sou gorda. Com essas mulheres eu aprendi que ser peluda não é um problema a ser solucionado, que ter pelos no rosto, nos braços e sobrancelha grossa não me tornam menos mulher e que esses pelos fazem parte de mim e não são nada feios, e eu sou peluda. Com essas mulheres eu aprendi que a cor da minha pele é bela, não sou morena, nem mulata e nem da cor do pecado, eu sou negra e minha pele é símbolo de luta, resistência e subversão.
E é por isso que eu preciso do feminismo. Me entendem? Eu preciso do feminismo para ser eu de maneira integral. Eu preciso do feminismo porque eu não quero precisar cortar partes minhas para me sentir aceita, porque eu já me aceito. Eu preciso do feminismo porque preciso me sustentar em outras mulheres para me sentir mais forte.
Eu preciso do feminismo porque eu desejo que todas as mulheres negras tenham orgulho de a serem. Eu preciso do feminismo porque eu desejo que todas as mulheres peludas tenham orgulho de a serem. Eu preciso do feminismo porque eu desejo que todas as mulheres gordas tenham orgulho de a serem.
Eu preciso do feminismo porque eu nunca fiz dieta.

Aline Nobre

18 de junho de 2018

Outrossim

nosso tempo é todo nosso

não seguiu contagens
padrões
cronométricos

mas seguiu contagens
cálculos
herméticos

nada que se pode medir

eu me apaixonei antes mesmo dos nossos lábios se conhecerem

tentei contar até dez
mas antes do três eu já te amei

no primeiro suspiro
te falei
confessei

e você
outrossim

contei mais
até cinco

mas no dois
você sussurrou
"amor da minha vida"

hesitou
insegura
achou cedo
não queria me assustar

eu tremi
respirei
acolhi
com o coração sorrindo

antes do um
eu confirmei também em mim

sem contar:
outrossim.


- Aline Nobre

27 de maio de 2018

25 de maio de 2018

SORORIDADE

companheira, eu te enxergo
enxergo tua dor
teu pranto
teus medos
tua resistência

eu enxergo você

companheira, eu te enxergo
enxergo tuas vitórias
tua força
teus sonhos
tuas conquistas

eu enxergo você

eu te enxergo toda vez que denuncias
as violências nossas de cada dia
e também te enxergo quando sofres calada

eu te enxergo toda vez que renuncias
aos costumes patriarcais que te foi ensinado
e também te enxergo quando os reproduz

eu te enxergo toda vez que solta o verbo
e rompe o silêncio que te foi imposto
e te enxergo também quando se reprimes

eu te enxergo toda vez que derruba muros
e desafia o mundo que tenta te trancar
e te enxergo também quando os constrói

eu te enxergo toda vez que amas
sem temer o que te faz chorar
e te enxergo também quando tem medo de amar

eu te enxergo toda vez que se permite
fazer tudo aquilo que impediram de imaginar
e te enxergo também quando trancada em seu lar

eu te enxergo toda vez que és livre
sem ter medo de se aventurar
e te enxergo também quando abre mão da tua liberdade

eu te enxergo toda vez que por mim passas
mesmo que não troquemos palavra nenhuma

eu enxergo você


e te enxergando
te amo
te acompanho
te acalmo
te afago
te ajudo
te amparo
através de cada mulher que veio ao mundo
e que também já foi enxergada por outra.

- Aline Nobre


8 de abril de 2018

Te tenho

meu bem,

só de saber que tenho você
todos os outros amores
se tornam insípidos e sem graça

só de saber que tenho você

quando repito que tenho você
jamais pense que o verbo "ter"
é atribuído a posse
ou a latifúndio amoroso

jamais

jamais e pelo contrário

eu quero que o mundo todo possa ter o prazer
de desfrutar da maravilha que é você

o verbo "ter"
em nós
ganhar novo sentido

te tenho porque te sinto
porque te assumo
porque te ocupo
porque demonstro
porque me apego

te tenho
porque te ter
é o meu presente mais certo.

(Aline Nobre)

8 de fevereiro de 2018

MORTE E VIDA SEVERINA

sertão é vida
mas nem sempre

sertão é aconchego
sossego
apego
mas nem sempre

sertão é ninho
cantinho
carinho
mas nem sempre

sertão é segurança
vizinhança
confiança
mas nem sempre

sertão é tranquilidade
liberdade
diversidade
mas nem sempre

sertão é vida
mas nem sempre

sertão não é sossego
aconchego
e nem apego
pra quem resolve pensar fora da caixa e enfrentar algumas mazelas que nele ainda existem

sertão não é ninho
cantinho
e nem carinho
pra quem resolve ser o que se é, quando não se é aquilo que os outros esperam

sertão não é segurança
vizinhança
e nem confiança
pra quem sente medo de se mostrar e levar dois tiros de cada olhar que passar pela sua rua

sertão não é tranquilidade
liberdade
e nem diversidade
quando o ser diverso vai contra os costumes patriarcais que ainda pairam pelo chão seco

sertão nem sempre é vida
mas deveria.

Aline Nobre, sobre os sinais de morte que matam ainda em vida.

5 de fevereiro de 2018

[NÃO SE PODE ESQUECER AS VIDAS CEIFADAS]

choveu no sertão
tudo brotou
tudo floriu

mas em meio a todo verde
havia um cinza
um mandacaru
que não resistiu

não por ser menos forte
menos resiliente
ou menos capaz

talvez a seca pra ele
no seu pedaço de chão
tenha sido mais intensa
mais voraz


é bonito de se viver
um sertão com tanta vida

mas eu não consigo esquecer
aquele mandacaru seco
aquele cinza.

- Aline Nobre