10 de outubro de 2017

Resenha: A História Secreta da Obsolescência Planejada



O Documentário “A História Secreta da Obsolescência Planejada”, dirigido por Cosima Dannoritzer se inicia apresentando um jovem chamado Marcos enfrentando um problema muito comum: sua impressora com defeito. O documentário então é desenvolvido não somente na busca de uma solução para este problema, mas também na busca por entender a raiz do mesmo. É então que somos apresentadas(os) a Obsolescência Planejada como causadora desse e de muitos outros problemas tecnológicos atuais.

O problema da impressora com defeito é um problema típico da maioria dos produtos tecnológicos que encontramos hoje em dia; após um certo período de uso eles simplesmente param de funcionar e o conserto normalmente custa tão caro que é mais vantajoso adquirir um produto novo e descartar o defeituoso. Esta é a lógica da obsolescência planejada: o descarte do “velho” para aquisição de um produto novo que promete ter mais eficiência.

A Obsolescência Planejada começou “oficialmente” no século XX, quando os fabricantes começaram a diminuir a vida útil dos produtos para aumentar as vendar e movimentar a economia.

Para entender o desenrolar do processo de “adoção” desse sistema de descarte no mundo, a diretora do documentário se utiliza do exemplo da lâmpada, que é apresentada como o ponto de partida da Obsolescência Programada no mundo. O Documentário faz um resgate histórico das primeiras lâmpadas produzidas no fim do século XIX, que duravam cerca de 1500 horas acesas e do processo de desenvolvimento das mesmas para que pudessem ter uma maior duração. Em pouco tempo já se eram possíveis lâmpadas com duração de 2500 horas, o que do ponto de vista do avanço tecnológico era uma grande vitória, mas do ponto de vista econômico era um prejuízo, pois as pessoas passariam a comprar cada vez menos lâmpadas e com uma frequência menor. Então no início do século XX criou-se uma organização não-oficial chamada PHOEBUS que limitava a vida útil das lâmpadas para 1000 horas, e as empresas que não cumprissem esta regra, poderiam sofrer “boicotes” pela desobediência. Começou então uma troca de valores por parte dos engenheiros e cientistas, que ao invés de buscarem produtos que durassem mais e gastassem menos matéria prima, agora tinha como principal valor fazer com que os produtos pudessem ter uma curta vida útil para que a economia continuasse a se movimentar. E esta lógica não se aplicava mais somente as lâmpadas, mas também aos tecidos, eletrodomésticos, automóveis, entre outros produtos.

Ainda falando sobre lâmpadas, Adolphe Chaillet inventou um filamento para fazer com que as lâmpadas durassem um período ainda maior de tempo, porém a produção não foi feita em escala industrial devido as regras sobre o limite de duração das mesmas, porém uma dessas lâmpadas que utilizou esse filamento, ainda hoje, mais de 100 anos depois, continua a funcionar, mas infelizmente o segredo dessa tecnologia morreu junto com o Adolphe, e nunca mais foi desenvolvida, ou se foi desenvolvida, não foi divulgada.

É de se entender a lógica usada naquela época para o “bem” da economia, porém hoje em dia com os recursos naturais cada vez mais escassos, continuar seguindo esse modelo de produção do descarte é estupidez, mas infelizmente podemos perceber que esse modelo de produção é a cada dia mais fortalecido.

Além do uso irresponsável dos recursos naturais, este modelo de produção é extremamente cruel com as pessoas que estão em uma situação social “baixa”. O grande volume de lixo eletrônico gerado é enviado para países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, tornando-os grandes “lixões”, e acabando com a paisagem e recursos naturais dos mesmos. Resumidamente as grandes potencias exploram os recursos naturais dos países mais pobres, usufruem dos bens e depois descartam o que não serve mais de volta nesses lugares.

Ao longo do tempo outras formas de Obsolescência Planejada foram sendo desenvolvidas, como por exemplo a aparência das coisas. Mudava constantemente o design dos objetos para que pouco tempo após o uso, os mesmos fossem considerados ultrapassados e as pessoas desejassem adquirir algo mais moderno, mesmo que as funcionalidades não fossem mais avançadas. Daí surge também o conceito de moda, onde a sociedade dita o que é aceitável socialmente dentro dos padrões que ela impõe.

Atualmente muito se fala de “Ciclo de Vida do Produto”, que é também uma forma da Obsolescência Planejada. As pessoas estudam todo o processo de produção dos materiais e geral, já considerando o seu descarte. Ou seja, a análise do ciclo de vida de um produto, é o estudo da obsolescência planejada sobre ele. A ideia de que as coisas são feitas pra acabar já está tão comum, que todas as pessoas tratam com normalidade e não conseguem enxergar que outra realidade é possível, uma realidade que não vise somente o lucro, mas que olhe para o meio ambiente e para as pessoas.

A Economia trabalha na perspectiva de um crescimento ilimitado, sendo que o planeta e os recursos são limitados. A ganancia humana faz com que vivamos de forma insustentável e que não façamos nada para mudar isto.

A arte por diversas vezes tem nos alertado para o perigo desse modelo de vida. O documentário mostra o exemplo de alguns filmes que retrataram de forma bastante real a Obsolescência Planejada, logo na época que ela começou a se popularizar. Hoje também podemos ver muitos exemplos de filmes e séries de ficção/distopia que também nos alertam para a realidade e para os possíveis efeitos futuros desta forma de produção irresponsável, como é o caso de "Interestelar", "The 100", "Black Mirror", "3%", "Wall-E", entre outras. 

O documentário também nos mostra sinais de esperança para a superação dessa cultura de consumo exagerado. Várias pessoas, coletivos, ONG’s tem trabalhado e lutado para combater a Obsolescência Planejada através da conscientização da população.

Ao final do documentário, Marcos encontra na internet uma dessas pessoas que lutam contra a Obsolescência Planejada e que o ajuda a resolver o problema da sua impressora; trata-se de um chip contido na impressora que depois de um certo número de impressões faz com que a impressora pare de funcionar – isto acontece com diversos produtos eletrônicos – e o problema é resolvido a partir de um simples aplicativo de computador que “zera” o chip da impressora, fazendo com que a mesma volte a funcionar perfeitamente sem precisar de nenhum ajuste.

Apesar do grande problema apresentado pelo documentário, este desfecho nos traz esperança de que podemos lutar e resistir contra esse sistema de descarte contínuo e gerar uma nova cultura de consumo consciente.

Podemos perceber vários aspectos dos conflitos Homem-Natureza presentes neste documentário: As diversas vezes que o interesse coletivo é deixado de lado por causa de interesses pessoais, a problemática dos recursos finitos X desejos infinitos, as questões éticas que frequentemente são deixadas de lado, a problemática da sociedade do consumo, o uso dos recursos naturais, as consequências do modelo moderno de vida, a lógica do capital, a globalização e os diversos problemas ambientais que enfrentamos. O documentário consegue fazer uma síntese das relações de consumo e do modelo de vida atual, nos alertando para as consequências futuras que este modelo pode causar.


“O mundo é grande o suficiente para atender
 às necessidades de todos, mas sempre demasiado 
pequeno, para a ganância de alguns."
(Mahatma Gandhi)



Você pode encontrar o documentário clicando AQUI


Por Aline Nobre


27 de setembro de 2017

Gente de bem?

"Travesti Dandara foi apedrejada e espancada a tiros no Ceará"

"Expectativa de vida de uma mulher trans não ultrapassa os 35 anos na América Latina"

"Em 2016, a Rede Trans Brasil apurou que 64 transexuais e travestis tentaram se matar porque não conseguiram ter respeito social"

E essa “gente de bem” comemora e fala: “eles tem que ter vergonha mesmo”, “eles são umas aberrações”
Mas ei, pessoa de bem, aberração é seu preconceito!

"Uma morte LGBT acontece a cada 28 horas motivada por homofobia"

E essa “gente de bem” fala: “tudo bem ser viado, mas que seja longe de mim”
Mas ei, pessoa de bem, você podia cuspir seu ódio longe de todo mundo também

"Dados mostram que 59% das vítimas de homofobia conheciam o agressor e que o local mais frequente de agressão é em casa"

E essa “gente de bem” fala: “Eu não tenho preconceito, mas se filho meu for gay, na minha casa ele não fica”
Mas ei, pessoa de bem, você mata mais que muita doença por aí

"Se você se declarar homossexual, a possibilidade de doar sangue é quase nula"

E essa “gente de bem” fala: “Deus me livre de receber sangue de um viado”, “ele é cheio de doenças, deve ter AIDS”
Mas ei, pessoa de bem, você sabia que nos últimos anos a incidência de doenças sexualmente transmissíveis tem crescido na população heterossexual e não na homossexual

"Uma estatística aponta que 90% das travestis e transexuais abandonam a escola"

E essa “gente de bem” fala: “ainda bem”, “imagina se minha filha tem que conviver com esse tipo de gente”
Mas ei, pessoa de bem, não é você que diz que ama ao próximo? não é você que é a favor da educação?

"Mulher é morta na frente de namorada após ofensas homofóbicas"

E essa “gente de bem” fala: “Mas elas querem ser sapatão na frente de todo mundo, vê se pode?”
Mas, ei, pessoa de bem, isso pode sim, pode muito! por acaso o amor alheio te ofende?

Porque você me ignora?


- Aline Nobre

13 de setembro de 2017

na cara

se eu te amar
você vai saber

eu não escondo amor
porque amor foi feito pra se expandir
pra crescer

eu não disfarço apreço
e nem faço questão

se eu gosto
eu falo
eu sorrio
eu exalo
toda essa afeição

amando bem, que mal tem?


Aline Nobre, na cara.


Todos vocês mulheres

Há quem diga que eu gosto de problematizar tudo, já eu fico super orgulhosa de mim cada vez que escuto isso, porque sei que estou de alguma forma contribuindo para o crescimento crítico meu e das outras pessoas. Pois bem, lá vai mas uma problematização.
Participei recentemente de uma formatura de graduação lindíssima, onde a turma que se formava era composta somente de mulheres. Que avanço, não?! Senti no peito um profundo orgulho em saber e comprovar o quanto as mulheres vêm avançando no mundo, nas profissões, no mercado de trabalho e ver que a cada dia mais mulheres se antecipam e se tornam protagonistas das suas vidas. Pois bem, foi um momento maravilhoso, mas fiquei muito inquieta em vários momentos do evento por um motivo: a falta da flexão para o gênero feminino nas falas.
Desde o início do evento, tanto as falas do cerimonialista, quanto os discursos e falas gerais pareciam esquecer que a turma era formada somente por mulheres. Falavam “os formandos”, “todos vocês”, “cada um” e por aí vai. A cada vez que se referiam a turma no masculino eu falava pra minha mãe, que estava do meu lado “MAS SÓ HÁ MULHERES NESSA TURMA!”. Vez ou outra, alguém acertava e/ou se corrigia ao perceberem esse detalhe, mas no geral, mais se falou delas no masculino do que no feminino.
Pode ser que alguém ache isso uma besteira, e ache que eu me incomodo demais e vejo machismo em tudo. Mas é isso mesmo, eu me incomodo, e sim, há machismo em tudo. Já outras pessoas dizem que “o mundo tá ficando chato” a cada vez que chamamos atenção para essas questões. Se para o mundo ser legal ele precisa ser preconceituoso e injusto, eu prefiro mesmo que o mundo seja chato e livre de preconceitos e injustiças.
Eu penso que, sim, nós mulheres já conquistamos muito, mas que ainda há muito o que se conquistar, e é através dessas pequenas coisas que a gente vai conseguindo construir um mundo com mais equidade de gênero, mais respeito e que realmente pense sobre causas como essa de maneira consciente.
A flexão de gênero é algo de extrema importância porque é através dela que, nós mulheres, nos fazemos visíveis nas falas, na escrita e nas histórias contadas. Muita gente deixa de usar por considerar que o texto fica “pesado” ou “cansativo”, e sim, eu concordo, mas enquanto não existir outro meio de nos fazermos existir e sermos vistas, vamos ter que nos utilizar desta maneira. É o que temos.
Fatos como esse da formatura acontecem o tempo todo, e a construção do vocabulário tem grande culpa nisso. O vocabulário é feito por uma sociedade, e quando a sociedade é racista, machista, misógina e cheia de outros preconceitos, é de se esperar que o vocabulário carregue também essas características. Mas assim como estamos conseguindo avançar nas diversas áreas da sociedade e do conhecimento, é possível também avançar e modificar essas construções culturais e conceituais existentes.
Lembremos que o português é uma língua viva e que está em constante transformação, e que se for preciso reforma-la, façamos esta reforma.
E é por isso que é importante a existência de gente pra problematizar o que não tá certo, pois só assim a discussão é colocada em pauta e tem a oportunidade de amadurecer e gerar frutos positivos através da transformação social e cultural. Que fiquemos atentas e atentos. O mundo pode melhorar sim, e a transformação se faz primeiro na consciência de cada um e de cada uma.

Por Aline Nobre

30 de agosto de 2017

diariamente

quase todo dia
eu vejo o dia se transformar em noite
por uma janela
com vista pro infinito

quase todo dia
eu gasto tempo para olhar o pôr-do-sol
e fico hipnotizada
com essa doce partida

quase todo dia eu estou viva.

Aline Nobre

2 de agosto de 2017

Agosto

Que agosto
tenha gosto de felicidade
deixe marcas de saudades
seja repleto de amor

Que leve as dores embora
e as tristezas de outrora
que a alegria seja agora
E que o tempo caminhe
ao nosso favor.

Aline Nobre, Dos versos que surgem no começo de cada mês.

“Nos falamos, mas foi meio em silêncio”

Sabem aqueles relacionamentos complicados que perpassam vários anos sem se definirem do que se tratam? Pois é, conheço vários desses. Normalmente se perderam na linha tênue entre romance e amizade, e é difícil sair de cima dessa linha, para qualquer que seja o lado.

Estava conversando com uma amiga que vive um relacionamento assim e no meio da conversa sobre essa relação, ela disse a seguinte frase: “Nos falamos, mas foi meio em silêncio”. Que frase forte! Se falaram meio em silêncio. Quantas vezes já passamos por isso?

Às vezes silenciamos para evitar desgaste, porque em algumas relações a gente “se desentende no instante em que fala”, como Belchior fala em uma canção. A gente fala meio em silêncio com nossa família o tempo todo, é na hora do almoço, no aniversário dos avós ou na ceia de natal. Esses silêncios que pronunciamos a todo momento, apesar de evitarem discussões, na maioria das vezes são prejudiciais, porque também evitam a convivência sincera.

Outras vezes silenciamos porque não existem palavras que possam suprir a intensidade do que se viveu. São silêncios escassos de palavras, mas repletos de sentimentos. Silêncios que acompanham olhares, toques, confiança e coração acelerado. Esses, sim, valem totalmente à pena, porque palavras provavelmente não acrescentariam nada.

Ainda existem os silêncios que significam presença. Esse silêncio é dito na maioria das vezes para amigos e amigas que só precisam de presença sincera, sem necessidade de palavras. Esses silêncios costumam ser o ápice de relações de amizade. São declarações de amor ditas no abraço.

Já vivi diversos outros silêncios também; silêncios de finais, silêncios de começos, silêncios de desconforto e silêncios de prazer. Todos esses silêncios vividos não podem ser registrados em cadernos, álbuns, melodias ou gestos, podem somente ser lembrados como pequenos instantes em que a vida esqueceu o roteiro. E a gente? A gente ficou sem fala.

Um silêncio vale mais que mil palavras.


Por Aline Nobre