27 de setembro de 2017

Gente de bem?

"Travesti Dandara foi apedrejada e espancada a tiros no Ceará"

"Expectativa de vida de uma mulher trans não ultrapassa os 35 anos na América Latina"

"Em 2016, a Rede Trans Brasil apurou que 64 transexuais e travestis tentaram se matar porque não conseguiram ter respeito social"

E essa “gente de bem” comemora e fala: “eles tem que ter vergonha mesmo”, “eles são umas aberrações”
Mas ei, pessoa de bem, aberração é seu preconceito!

"Uma morte LGBT acontece a cada 28 horas motivada por homofobia"

E essa “gente de bem” fala: “tudo bem ser viado, mas que seja longe de mim”
Mas ei, pessoa de bem, você podia cuspir seu ódio longe de todo mundo também

"Dados mostram que 59% das vítimas de homofobia conheciam o agressor e que o local mais frequente de agressão é em casa"

E essa “gente de bem” fala: “Eu não tenho preconceito, mas se filho meu for gay, na minha casa ele não fica”
Mas ei, pessoa de bem, você mata mais que muita doença por aí

"Se você se declarar homossexual, a possibilidade de doar sangue é quase nula"

E essa “gente de bem” fala: “Deus me livre de receber sangue de um viado”, “ele é cheio de doenças, deve ter AIDS”
Mas ei, pessoa de bem, você sabia que nos últimos anos a incidência de doenças sexualmente transmissíveis tem crescido na população heterossexual e não na homossexual

"Uma estatística aponta que 90% das travestis e transexuais abandonam a escola"

E essa “gente de bem” fala: “ainda bem”, “imagina se minha filha tem que conviver com esse tipo de gente”
Mas ei, pessoa de bem, não é você que diz que ama ao próximo? não é você que é a favor da educação?

"Mulher é morta na frente de namorada após ofensas homofóbicas"

E essa “gente de bem” fala: “Mas elas querem ser sapatão na frente de todo mundo, vê se pode?”
Mas, ei, pessoa de bem, isso pode sim, pode muito! por acaso o amor alheio te ofende?

Porque você me ignora?


- Aline Nobre

13 de setembro de 2017

na cara

se eu te amar
você vai saber

eu não escondo amor
porque amor foi feito pra se expandir
pra crescer

eu não disfarço apreço
e nem faço questão

se eu gosto
eu falo
eu sorrio
eu exalo
toda essa afeição

amando bem, que mal tem?


Aline Nobre, na cara.


Todos vocês mulheres

Há quem diga que eu gosto de problematizar tudo, já eu fico super orgulhosa de mim cada vez que escuto isso, porque sei que estou de alguma forma contribuindo para o crescimento crítico meu e das outras pessoas. Pois bem, lá vai mas uma problematização.
Participei recentemente de uma formatura de graduação lindíssima, onde a turma que se formava era composta somente de mulheres. Que avanço, não?! Senti no peito um profundo orgulho em saber e comprovar o quanto as mulheres vêm avançando no mundo, nas profissões, no mercado de trabalho e ver que a cada dia mais mulheres se antecipam e se tornam protagonistas das suas vidas. Pois bem, foi um momento maravilhoso, mas fiquei muito inquieta em vários momentos do evento por um motivo: a falta da flexão para o gênero feminino nas falas.
Desde o início do evento, tanto as falas do cerimonialista, quanto os discursos e falas gerais pareciam esquecer que a turma era formada somente por mulheres. Falavam “os formandos”, “todos vocês”, “cada um” e por aí vai. A cada vez que se referiam a turma no masculino eu falava pra minha mãe, que estava do meu lado “MAS SÓ HÁ MULHERES NESSA TURMA!”. Vez ou outra, alguém acertava e/ou se corrigia ao perceberem esse detalhe, mas no geral, mais se falou delas no masculino do que no feminino.
Pode ser que alguém ache isso uma besteira, e ache que eu me incomodo demais e vejo machismo em tudo. Mas é isso mesmo, eu me incomodo, e sim, há machismo em tudo. Já outras pessoas dizem que “o mundo tá ficando chato” a cada vez que chamamos atenção para essas questões. Se para o mundo ser legal ele precisa ser preconceituoso e injusto, eu prefiro mesmo que o mundo seja chato e livre de preconceitos e injustiças.
Eu penso que, sim, nós mulheres já conquistamos muito, mas que ainda há muito o que se conquistar, e é através dessas pequenas coisas que a gente vai conseguindo construir um mundo com mais equidade de gênero, mais respeito e que realmente pense sobre causas como essa de maneira consciente.
A flexão de gênero é algo de extrema importância porque é através dela que, nós mulheres, nos fazemos visíveis nas falas, na escrita e nas histórias contadas. Muita gente deixa de usar por considerar que o texto fica “pesado” ou “cansativo”, e sim, eu concordo, mas enquanto não existir outro meio de nos fazermos existir e sermos vistas, vamos ter que nos utilizar desta maneira. É o que temos.
Fatos como esse da formatura acontecem o tempo todo, e a construção do vocabulário tem grande culpa nisso. O vocabulário é feito por uma sociedade, e quando a sociedade é racista, machista, misógina e cheia de outros preconceitos, é de se esperar que o vocabulário carregue também essas características. Mas assim como estamos conseguindo avançar nas diversas áreas da sociedade e do conhecimento, é possível também avançar e modificar essas construções culturais e conceituais existentes.
Lembremos que o português é uma língua viva e que está em constante transformação, e que se for preciso reforma-la, façamos esta reforma.
E é por isso que é importante a existência de gente pra problematizar o que não tá certo, pois só assim a discussão é colocada em pauta e tem a oportunidade de amadurecer e gerar frutos positivos através da transformação social e cultural. Que fiquemos atentas e atentos. O mundo pode melhorar sim, e a transformação se faz primeiro na consciência de cada um e de cada uma.

Por Aline Nobre

30 de agosto de 2017

diariamente

quase todo dia
eu vejo o dia se transformar em noite
por uma janela
com vista pro infinito

quase todo dia
eu gasto tempo para olhar o pôr-do-sol
e fico hipnotizada
com essa doce partida

quase todo dia eu estou viva.

Aline Nobre

2 de agosto de 2017

Agosto

Que agosto
tenha gosto de felicidade
deixe marcas de saudades
seja repleto de amor

Que leve as dores embora
e as tristezas de outrora
que a alegria seja agora
E que o tempo caminhe
ao nosso favor.

Aline Nobre, Dos versos que surgem no começo de cada mês.

“Nos falamos, mas foi meio em silêncio”

Sabem aqueles relacionamentos complicados que perpassam vários anos sem se definirem do que se tratam? Pois é, conheço vários desses. Normalmente se perderam na linha tênue entre romance e amizade, e é difícil sair de cima dessa linha, para qualquer que seja o lado.

Estava conversando com uma amiga que vive um relacionamento assim e no meio da conversa sobre essa relação, ela disse a seguinte frase: “Nos falamos, mas foi meio em silêncio”. Que frase forte! Se falaram meio em silêncio. Quantas vezes já passamos por isso?

Às vezes silenciamos para evitar desgaste, porque em algumas relações a gente “se desentende no instante em que fala”, como Belchior fala em uma canção. A gente fala meio em silêncio com nossa família o tempo todo, é na hora do almoço, no aniversário dos avós ou na ceia de natal. Esses silêncios que pronunciamos a todo momento, apesar de evitarem discussões, na maioria das vezes são prejudiciais, porque também evitam a convivência sincera.

Outras vezes silenciamos porque não existem palavras que possam suprir a intensidade do que se viveu. São silêncios escassos de palavras, mas repletos de sentimentos. Silêncios que acompanham olhares, toques, confiança e coração acelerado. Esses, sim, valem totalmente à pena, porque palavras provavelmente não acrescentariam nada.

Ainda existem os silêncios que significam presença. Esse silêncio é dito na maioria das vezes para amigos e amigas que só precisam de presença sincera, sem necessidade de palavras. Esses silêncios costumam ser o ápice de relações de amizade. São declarações de amor ditas no abraço.

Já vivi diversos outros silêncios também; silêncios de finais, silêncios de começos, silêncios de desconforto e silêncios de prazer. Todos esses silêncios vividos não podem ser registrados em cadernos, álbuns, melodias ou gestos, podem somente ser lembrados como pequenos instantes em que a vida esqueceu o roteiro. E a gente? A gente ficou sem fala.

Um silêncio vale mais que mil palavras.


Por Aline Nobre

23 de julho de 2017

Revelo

Eu me revelo
toda vez que abro a boca
toda vez que voo solta
toda vez que me permito.

Eu me revelo
toda vez que eu sorrio
toda vez que renuncio
toda vez que me recito.

Eu me revelo
toda vez que te encaro
toda vez que te abraço
toda vez que te avisto.

Eu me revelo
toda vez que alguém me afronta
toda vez que fico tonta
toda vez que me revisto.

Eu me revelo
em cada sentido meu

No tato
na visão
no olfato
na audição

mas principalmente
no paladar;
que me revela em cada coisa
que eu desejo provar.

Aline Nobre